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Notas a partir do filme Antes da Meia-noite

_ E vovó? Ela era sua alma gêmea?
_ Bem, soa atraente, mas sua avó era mais racional que isso. Ela cuidava de si mesma e me pedia para fazer o mesmo. Com muito espaço para nós dois no meio. Nunca fomos uma pessoa, sempre duas. Preferimos assim. Mas no final das contas não é o amor por uma pessoa que importa, é o amor pela vida.
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(Fala do Escritor mais maduro, amigo de Jesse)

_Estou te dando a minha vida. Não tenho nada maior pra dar. Não estou dando para mais ninguém. Se está pedindo permissão para me desqualificar, não vai ter. Eu te amo. E não estou em conflito a este respeito.
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Jesse (Ethan Hawke)

C: Você ouviu o que eu disse no quarto?
J: Sim, ouvi. Que você não me ama mais? Achei que não fosse sincero mas se era… quer saber? Você quer viver num conto de fadas. Estou tentando melhorar as coisas. Digo que te amo incondicionalmente, que é linda, que sua bunda está ótima aos 80. Estou tentando te fazer rir. Eu aturo muita coisa sua. Se acha que sou um cachorro que vai ficar voltando, está errada. Mas se quiser um amor verdadeiro, está aqui. É a vida real. Não é perfeita, mas é real.
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Cèline (Julie Delpy)
Jesse (Ethan Hawke)

Antes da Meia Noite
(Before Midnight – 2013)

Amar também é amar a maneira como o outro te ama.
Seria tão bem vindo aprender a amar, antes que tudo se acabe, antes que o prazo termine. Nos momentos que se repetem do cotidiano: no nascer do sol, no entardecer, na virada de um dia pro outro.
O amor não está no ar. O amor é raro mesmo.
São encontros pontuais.
É preciso um pouquinho de sorte, e um tanto de comprometimento para fazer com ele, e não contra ele.
Reconhecer mais o bom tempero do dia-a-dia ao invés de correr o tempo todo atrás da explosão de sabores da exceção.
Ninguém sobrevive ao gozo excessivo! Mas pode-se sobreviver e viver com gosto o sustentável peso de uma relação.

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A palavra PAIXÃO significa Passividade.
No campo da filosofia podemos recorrer à Kant que a nomeia como ‘uma inclinação emocional violenta, capaz de dominar completamente a conduta humana e afasta-la da desejável capacidade de autonomia e escolha racional’.
No campo da lógica, recorrendo à Aristóteles, há a indicação de – mais uma vez – ‘a passividade e a inatividade perante uma ação alheia’.
E Lacan chega a dizer no Seminário 1 que a paixão é vivida pelo sujeito como uma espécie de catástrofe psicológica.
É verdade que o amor é considerado uma paixão no ensino de Lacan. É um empréstimo da Ética de Spinoza que diferencia os afetos em ativos e passivos. Em que os ativos seriam as ações, e os passivos seriam as paixões.
Mas quando Lacan propõe o amor como um dom ativo, que saia do campo das paixões é para convocar o sujeito para o exercício ativo, que responde pela sua eleição amorosa, não tão ignorante de onde está situado, ser senhor do seu sentimento. Claro que não se trata do domínio completo de si mesmo – que já somos advertidos ser impossível – e nem uma ausência absoluta de paixão, mas a proposta lacaniana é a de não ficar estacionado nesta passividade e poder sustentar o diálogo amoroso.
Se debruçar nas questões do amor em uma análise é ter contato com o drama que leva a cada um ao fracasso do amor. E assim aprender, na singularidade da própria experiência – reescrevendo a própria história reconstruída através da fala – como se ama e se faz amar. Advertido desta posição, se amplia o trânsito nas veredas do amor. Sem que fique aprisionado e fixado numa única posição, numa repetição ignorante a respeito do que se pede, do que se espera, do que se recusa, e do que enxerga nesta única perspectiva.

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Defendo que amar, com o ensino lacaniano, seja uma escolha decidida. Uma renovação de investimento mesmo e necessariamente com a diferença, a falta, o mal entendido, a ausência da completude.
O que não quer dizer aceitar ‘qualquer coisa’ em nome de uma ‘teimosia’ de querer amar. Mas ao reconhecer ali, naquele encontro, uma possibilidade dentro da impossibilidade que o amor comporta, decidir apostar!
A grande empreitada do amor é amar! Afinal, é a posição mais elaborada.
Conseguem perceber como o lugar de ser amado é mais fácil de ser fundado? Basta que eu sublinhe uma frase escutada, que eu destaque um olhar, que eu me arrepie com uma pegada, que eu seja capturado por um apelido… pronto! Me acredito no lugar de amado e pago o preço que for só para ter este mero recorte.
Temos, inclusive clinicamente, o retrato deste extremo: o erotômano, que é aquele que funda o lugar de amado através do delírio.
Decidir amar é outro movimento.
Uma coisa é dizer que ser menos passional e mais ativo é reconhecido por Lacan como saber amar, outra coisa é dizer que Lacan assim revelou a verdade do amor.
Se o amor lacaniano não revela finalmente a verdade do amor – alcance que julgo impossível – ao menos oferece a oportunidade de se revelar, em meios de construção, algum saber sobre o amor, através do que cada um experimenta em sua singularidade e na pontualidade de cada encontro amoroso.
Viveríamos amores tão mais interessantes se não ficássemos correndo atrás de viver um ‘Grande Amor’!
Quanto a nós, psicanalistas, a questão do amor interessa.
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Flávia Albuquerque