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Notas a partir do filme Antes do Amanhecer

_ Mas tudo o que nós fazemos na vida não é para sermos mais amados?
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Cèline (Julie Delpy)

_ Amor é um assunto complexo. Sim, eu já disse pra alguém que eu a amava e falei sério… mas foi um amor totalmente altruísta? Foi bonito? Não muito. É que amor… digo, eu não sei… você sabe?
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Jesse (Ethan Hawke)

_ Eu acho que, se existe algum Deus, ele não está em nós. Não em você ou em mim, mas no pequeno espaço entre nós. Se existe alguma magia no mundo deve estar na tentativa de entender alguém e partilhar. Eu já sei, é quase impossível de se conseguir isso. Mas quem se importa? A resposta deve estar na tentativa.
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Cèline (Julie Delpy)

Antes do Amanhecer
(Before Sunrise – 1995)

Lacan dizia que toda demanda é demanda de amor.
O ato de amar é a demanda por excelência: ser amado.
Não há altruísmo no amor.
E é só advertido disso que é possível se responsabilizar pela petição intermitente – que se torna facilmente irritante, cansativa e improdutiva – e fazer algo bem mais interessante a partir deste lugar de amante.
É só se sabendo pedinte de amor que é possível transitar nas posições de amado e amante.
Defende-se que em uma análise se aprende a amar. Como dom ativo.
Isso não quer dizer que ascendemos à uma posição de um amor (impossível) altruísta, mas passamos a saber fazer melhor com essa demanda de ser amado.
Um ‘fazer’ um pouco menos adoecido, atento à desgastante tentativa de escravizar o outro no lugar de amante para e por nós.
Caber um pouco menos na teimosia do lugar mendicante de amor.
Para isso, é preciso considerar o espaço entre um e outro.
Espaço este que não se pede. Está instalado. Pela impossibilidade de mistura homogênea, completude, (con)fusão; em termos lacanianos: pela não existência da relação sexual.
Não está escrito nas estrelas.
O outro não foi feito para você.
Você não foi feito para o outro.
Mas vocês podem fazer muito melhor com o amor!

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Amar é coisa que se aprenda?
Há esta aposta através de um trabalho de análise.
De forma alguma como uma didática, coisa que é inegavelmente impossível. Mas como um aprendizado pela via da construção de um saber sobre como nos ocupamos das ‘coisas’ do amor.
O que está proposto nesta aposta é a saída do campo das paixões.
Lacan destaca 3 paixões do ser: amor, ódio e ignorância.
Ora, se o amor é uma das 3 paixões, como ousaríamos amar fora deste campo?
Uma coisa é o amor passional: com a cobrança inegociável de que o outro caiba no seu vazio, que o outro dê o que se pede, que o outro esteja lá onde ele não pode habitar.
Outra coisa é o amor como dom ativo – como nomeia Lacan – incluindo o outro não somente como ocupante do lugar de suposto objeto da sua fantasia, mas como sujeito. Com uma vida própria!
Amar de forma passional nos impede de ver o amor que o outro oferece em gestos próprios enquanto nos queixamos que não recebemos o amor da maneira que entendemos.
A sua maneira de amar não é a única.
Exigir que o outro te ame desta maneira é deixar de desfrutar um amor que vem recebendo sem querer enxergar.

*

E, hoje em dia, como é que se diz ‘eu te amo’?
Saberemos um dia dize-lo?
Não cessamos de tentar falar o amor. Em letra, música, melodia, acordes, estrofes, rimas, contos, crônicas, cenas, quadros, enquadres, gestos, lágrimas, sorrisos, esperas… E você?
Como diz ‘eu te amo’?
Se resume a dize-lo?
Não chega a faze-lo?
O que é o amor?
Como conhece-lo?
Como reconhece-lo?
De que matéria é feito?
Amar é…
O amor é sempre outra coisa.
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Flávia Albuquerque