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Notas a partir do filme Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças

_Ela não estava feliz e queria seguir em frente.
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Dr. Howard Mierzwiak

_Que desperdício passar tanto tempo com alguém e descobrir que é um estranho.
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Joel Barish (Jim Carrey)

C. Sou uma garota maluca que procura paz de espírito. Eu não sou perfeita.
J: Não vejo nada que não gosto em você.
C: Mas você verá! Você vai pensar coisas a meu respeito e eu estarei entediada com você porque é o que acontece comigo.
J: Tudo bem!
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Clementine (Kate Winslet)
Joel (Jim Carrey)

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças
(Eternal Subshine of the Spotless Mind – 2004)

Ah se pudéssemos esquecer alguém que nos conquistou um dia!
Alívio?
Tragédia!
Uma análise nos convoca a contar e recontar nossas errâncias amorosas.
Só assim podemos construir um saber sobre como amamos e nos oferecemos para ser amado.
Sem nos servir das lembranças – mesmo as ‘esquecidas’ – não conseguimos tomar intimidade com nossa história amorosa e estamos fadados a repetir os mesmos fracassos.
O pedido tolo de apagar o outro da memória denuncia a posição equivocada de acreditar que não se tem nada com isso.
“Ele não soube me amar!”
E você? Soube amar?
Soube se fazer amar?
Não passemos em cima de nossa história amorosa como um trator!
Uma nova história de amor será melhor vivida por nós se soubermos contar as anteriores.

*

Circular entre os outros, ter uma vida social, apostar numa relação amorosa… tudo isso nos ensina algo riquíssimo: a se expôr.
Se expôr ao erro.
Ao ridículo.
Ao equívoco.
Ao desconforto.
Ao incômodo.
Mas também se expôr ao elogio e à admiração.
Você nunca vai ser amado se não correr o risco de ser odiado.
E o inevitável da vida – não ser amado por todos – nos ensina ainda mais!
Nos ensina que não podemos tudo, que não cabemos em todos os lugares, e que nunca seremos uma unanimidade.
Mas que, mesmo assim, é a DIFERENÇA como protagonista que providencia uma vida mais interessante de ser vivida!
O encontro com o outro nos coloca no encontro com nós mesmos.
É no encontro com o outro que somos interrogados:
Quem é você?
O que você pensa
O que você faz?
O que quer da vida?
O que a vida quer de você?
Você tem fome de quê?
Você vive ou sobrevive?
O que te faz levantar da cama dia após dia?
Não adianta fugir de si mesmo.
Ao evitar se expor, você evita o amor… e no isolamento, você tem o pior dos encontros com você mesmo.

*

Quando duas pessoas se escolhem, são duas vidas que se encontram.
E são movidas pela curiosidade a respeito do universo do outro: seus gostos, seus olhares, suas ideias, seu cotidiano, seu desejo, sua busca na vida…
Eis a riqueza da articulação de dois mundos!
É verdade que é preciso destreza e manejo para que a articulação não vire fusão.
Mas há aqueles que já iniciam o encontro se defendendo da interferência inerente ao amor.
E com medo da fusão, fazem uma verdadeira confusão, deixando o outro ir para garantir, assim, o próprio mundinho como intocável.
Amores vêm, amores vão… e estas pessoas permanecem no mesmo lugar de sempre.
Toda e qualquer fagulha de novidade recebida do outro é recusada.
Se engessando tal como narciso que se restringe a se apaixonar por si mesmo.
É no encontro com o outro que verificamos nossas opinões, nossos propósitos, nossas empreitadas, nossas conquistas e questionamos nossas teimosias.
Sem a menor disponibilidade para a interferência do outro, a vida é mais do mesmo.
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Flávia Albuquerque